skip to Main Content

“Por que criei um grupo de apoio a perda gestacional e neonatal”

Por Beatriz Kesselring

Com o nascimento da minha terceira filha, Andreia, fui arremessada para um mundo totalmente novo. Depois de uma gravidez tranquila, entrei em trabalho de parto e por motivo inexplicado, ela teve anoxia grave no parto e como consequência, paralisia cerebral. Assim, de uma hora para outra, nossa vida mudou.

Me lembro da sensação de estar fora do ar nos primeiros dias, de pedir para tirarem o enfeite da porta da maternidade, da expressão no olhar dos familiares e amigos e dos momentos dificeis no banco de leite. Enquanto eu pensava que não iria amamentar aquela filha, a bomba ordenhava meu leite, mecanicamente, sem nenhuma palavra ou gesto de empatia da equipe. Durante a internação, recebi cuidados de equipe médica e de enfermagem despreparadas e impotentes para ajudar numa situação de perda. Naqueles dias, a pergunta que eu me fazia entre o acordar e o dormir sob o efeito dos medicamentos era como nós iríamos viver dali pra frente. Como seria a vida com as outras filhas?

Ali começava uma maternidade e paternidade totalmente fora do script. Foram muitas consultas com especialistas para tentar entender o que tinha acontecido, muitas sessões de fisioterapia, fono e o que mais nos sugerissem de tratamento com a Andreia.  Senti a imprevisibilidade e a fragilidade da vida no momento  em que ela nasceu e no momento que ela faleceu.  

No meio do caos do luto inicial, eu esperava que as pessoas próximas e os profissionais pudessem reconhecer a minha dor e que me deixassem falar a vontade. E não foi isso que aconteceu. Ouvi por muito tempo frases prontas como “foi melhor assim”, “desculpe mas eu não sei como vc está aguentando” e “a vida dela seria muito triste”.

Na época, não contamos com grupos de apoio, somente as sessões de terapia individual.

A vida seguiu seu rumo. Depois de um tempo, tivemos a sorte de ter mais uma filha e assim chegou a Cristina, nossa menina “arco-iris”!

Passaram muitos anos até que eu me sentisse pronta a voltar a atender partos e acolher mulheres e casais na chegada de seus filhos.

Com o Núcleo Cuidar, inaugurado em dezembro de 2017, a necessidade de ressignificar Andreia me aproximou do desejo de estudar sobre o luto materno. Conheci a Rede Humaniza Luto Brasil, grupo incrível formado por mulheres que também perderam seus filhos, ONGs e profissionais envolvidos em apoiar famílias enlutadas. Fazer parte desta rede e também perceber que poucos lugares oferecem grupos periódicos  de apoio às famílias que viveram perdas gestacionais e neonatais, me incentivou a coordenar os grupos, no Núcleo.

Em fevereiro, iniciamos os grupos semanais, iniciativa esta que foi inspirada no apoio que eu gostaria de ter recebido, no nascimento e despedida de minha filha.

Quando se perde um filho, pouco se tem a fazer a não ser proporcionar as mulheres e aos homens uma vivencia da perda de forma mais respeitosa e acolhedora, preservando sua autonomia e seu protagonismo.  

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Back To Top